VS-30 sobe ao espaço às 23h02 de segunda-feira e testa estágio movido a etanol Trata-se de um veículo de sondagem, capaz apenas de voo suborbital, ou seja, sem potência suficiente para atingir a velocidade requerida à colocação de algum artefato em órbita da Terra. Mas a missão consiste em avanço importante para o país, pois é a primeira vez que testou-se um motor de foguete com combustível líquido desenvolvido nacionalmente. Essa é a tecnologia de praxe para veículos lançadores de satélites, pois permite um controle de voo melhor, embora seja mais complexa que a dos propelentes sólidos.
O lançamento em si foi cheio de mistério. Sob encargo do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), órgão da Força Aérea Brasileira, o voo estava agendado para o último dia 29, sexta-feira passada, a partir do Centro Lançamento de Alcântara, no Maranhão. Mas eis que, dois dias depois, a Agência Espacial Brasileira reportou por meio de nota que houve um adiamento e que uma nova tentativa seria feita em 15 dias. Então, ontem, de surpresa, a AEB noticiou o voo bem-sucedido. (A nota original reportando o atraso de duas semanas foi apagada do site do órgão do governo.)
“Neste primeiro voo do Estágio Propulsivo Líquido verificou-se o bom funcionamento do motor pelo tempo previsto”, disse em nota o coronel-aviador Avandelino Santana Júnior, coordenador geral da Operação Raposa, nome dado ao esforço de lançamento em Alcântara.
O voo completo durou 3 minutos e 34 segundos, seguindo a trajetória nominal e encerrando-se com uma queda no mar na região prevista. Que fiquem registrados aqui a admiração e o entusiasmo do Mensageiro Sideral pelos obstinados engenheiros e técnicos do IAE, que obtiveram mais essa conquista a despeito do histórico descaso das autoridades com relação ao programa espacial brasileiro.
Velho foguete, novo estágio..
O veículo que subiu de Alcântara era uma combinação do velho e do novo. A base era o VS-30, tradicional foguete de sondagem brasileiro de um estágio movido a combustível sólido que já fez 12 voos antes deste. Somente o segundo estágio era de propulsão líquida, movido a etanol. Mas o que importa mesmo é que funcionou, colocando o país na lista dos detentores dessa tecnologia crucial para missões espaciais.
Renovação?
Que o sucesso abre portas e perspectivas para o futuro desenvolvimento de foguetes nacionais, não há dúvida. Parabéns a todos os envolvidos. Contudo, eu seria hipócrita se fingisse que está tudo bem e deixasse essa conversa terminar com um mero tapinha nas costas. A verdade é que o Brasil está muito atrasado nesse segmento tecnológico estratégico e essencial à soberania nacional e ao desenvolvimento econômico do país.
Precisamos recuperar o tempo perdido. Aproveitando que estamos em período eleitoral, não custa aqui deixar minhas sugestões do que eu gostaria de ver acontecer no ramo de foguetes para a próxima década. Quem sabe Papai Noel está lendo e resolve me atender?
- Transparência e uso pacífico: Brasil precisa deixar claro para a comunidade internacional que seu programa de desenvolvimento de foguetes é pacífico. Por mais que a AEB sirva de fachada para o resto do mundo, a verdade é que nossos foguetes são desenvolvidos pela Força Aérea, que, a rigor, nem muito interesse tem em alavancar nosso avanço no espaço. Alguém precisa ter a coragem de desvincular o IAE da FAB (corporação pela qual tenho a maior admiração, mas que por seu caráter militar é por definição o ambiente inadequado para o desenvolvimento de um programa espacial civil) e torná-lo um centro vinculado diretamente à própria AEB, com estrutura independente e financiamento adequado voltado para sua atividade-fim: a concepção e os testes dos lançadores nacionais. A falta de transparência no ambiente militar incomoda muito. Exemplo: no dia 30, ansioso para saber se o lançamento do VS-30 havia acontecido conforme o planejado, contatei um engenheiro do IAE a quem tenho acesso, que me informou que não poderia falar sobre o assunto sem autorização do Centro de Comunicação Social da Aeronáutica — que, por sinal, deveria estar dando o passo-a-passo da Operação Raposa à imprensa, mas manteve um silêncio inexplicável enquanto todos buscavam qualquer fiapo de informação a respeito do voo. Na boa, não dá. Como vamos contagiar a população com o entusiasmo e o orgulho de termos um programa espacial ativo se não contamos para ninguém o que estamos fazendo?
- O VLS-1 já era. O Brasil, como você talvez saiba, tem desde 1980 um projeto para o desenvolvimento de seu primeiro Veículo Lançador de Satélites, o VLS-1. Três tentativas foram feitas de lançá-lo, após anos de atrasos. Duas falharam, em 1997 e 1999, e uma terceira terminou em tragédia, matando 21 técnicos e engenheiros do IAE em 2003. Na ocasião do acidente, o então presidente Lula havia prometido nova tentativa de lançamento para 2006. Já estamos em 2014 e ela não aconteceu. Mais: graças ao acordo com a Ucrânia para o lançamento dos foguetes Cyclone-4 a partir de Alcântara, que deve levar a um primeiro voo antes da próxima missão do VLS-1, parece desimportante levar o veículo nacional a termo. Certamente tivemos lições aprendidas (e algumas até já desaprendidas, com o passar do tempo) no desenvolvimento do foguete, e pouco irá acrescentar, além de orgulho, a essa altura, levar a cabo um lançamento bem-sucedido. Por mais que me doa o coração (sou fã do VLS-1 e queria muito vê-lo colocar um satélite no espaço), acho que é hora de cancelar. O projeto é atrasado e do tamanho errado para o Brasil.
- Acelerar, com recursos adequados, o desenvolvimento dos sucessores do VLS. O plano já existe há mais de década: é o programa Cruzeiro do Sul, que prevê o desenvolvimento de cinco foguetes, com aumento gradual de capacidade e transição da tecnologia de combustível sólido para o líquido. O Alfa é basicamente o VLS-1 com um terceiro estágio de propulsão líquida. Vamos direto para ele. E de lá, agressivamente, rumo ao Beta, ao Gama, ao Delta e ao Epsilon. Com verba adequada e ambição, seria possível desenvolver num horizonte de 10 a 15 anos um sucessor evoluído para o Cyclone-4 — que, por sinal, não é minha opção favorita para o Brasil no momento, mas é o plano que o governo comprou mais de uma década atrás e pior que tê-lo seria interrompê-lo sem ter nada para colocar no lugar.
- No fundo, o que precisamos mesmo nesse setor é de metas inspiradoras, realistas, claras e associadas a uma dotação orçamentária compatível com nosso potencial e com nossas ambições. Não dá mais para esperar. A quem quer que vença a eleição presidencial deste ano, fica a dica.